O Corpo Fala, e às Vezes Grita: Lições de uma Crise de Dor Ciática
Como a dor intensa me revelou padrões ocultos de ansiedade, apego e orgulho, e aprofundou o perdão e a humildade
Uma dor física intensa e prolongada provoca sofrimento, e ao mesmo tempo nos dá oportunidade de mergulhar no mundo interior em busca dos padrões que a causaram.
Até esse momento da minha vida, eu tive três episódios desse tipo que me ensinaram muito, cada um de um jeito diferente.
O primeiro foi uma sinusite fortíssima, o segundo herpes zoster e agora uma dor ciática aguda.
Vou contar agora o que aprendi lidando com a mais recente - a dor ciática.
Contextualizando
Antes, porém, é importante criar um contexto para uma melhor compreensão do meu processo com a crise ciática.
Certo dia, anos atrás, percebi que era um ansioso disfarçado de calmo. Minha ansiedade não era evidente para as outras pessoas, pois externamente eu aparentava ser uma pessoa tranquila. Mas dentro eu era uma panela de pressão, e me negava a aceitar esse fato.
Como uma pessoa que medita e toca tigelas de cristal pode ser ansiosa? Eu preferia negar a assumir que meus pensamentos eram acelerados e preocupados com o futuro.
Minha ansiedade se refletia principalmente na atividade profissional. Sempre fazendo muitas coisas ao mesmo tempo e sem nenhum critério de priorização, eu vivia “apagando incêndios”, atendendo a pedidos e necessidades urgentes, sempre correndo atrás de produzir conteúdo, o que só aumentava a minha ansiedade.
Percebi esses traços há tempos, e desde então venho trabalhando para diminuir o ritmo interno dos pensamentos com as diversas ferramentas que utilizo (já escrevi sobre elas aqui na news). Tenho feito progressos maravilhosos nessa jornada, e minha ansiedade diminuiu muito nos últimos anos.
Porém, recentemente, uma questão familiar bastante complexa, na qual eu me via como “responsável” por um determinado assunto, fez com que ela retornasse com uma nova roupagem, que criou uma espécie de disfarce que me impediu de percebê-la.
Foi necessário um acontecimento marcante para trazê-la à tona para ser novamente investigada.
A dor como fonte de aprendizado
Foi nesse momento que apareceu a dor ciática. A princípio uma pequena fisgada em um dos exercícios na academia, que logo evoluiu para uma dor de grau elevado no glúteo superior esquerdo, que se irradiava para a coxa e joelho.
Ela durou dois meses. Escrevo esse artigo já quase totalmente sem dor.
Foi um período em que aprendi muito, sob diversos aspectos. Um intensivão que me colocou em contato comigo mesmo, com as minhas emoções e limitações.
Esse artigo é uma forma terapêutica de me expressar fazendo o que adoro, que é escrever, e organizando as ideias para apresentar para você um tema tão desafiador - que é falar de mim mesmo. Espero de coração que lhe seja útil.
Vamos então aos aprendizados desse período.
Lição 1: Limites do corpo
A dor começou pequena, uma fisgada leve depois de um aparelho na academia. Dias depois, sem levar em conta essa fisgada, fiz uma caminhada que exigiu muito das minhas pernas. Resultado: o agravamento da dor, que chegou a um nível quase insuportável no final daquele Domingo.
Mais uma vez ultrapassei meus próprios limites, coisa que já fiz inúmeras vezes na minha vida. Não prestei atenção à sinalização do meu corpo e abusei, entrando em crise. Fiquei surdo para os avisos do meu corpo.
O que aprendi
Prestar mais atenção aos limites do corpo, aprender a escutá-lo. Já não sou mais tão jovem para abusar do físico.
Lição 2: Mobilidade
A dor alterou completamente a minha mobilidade. A única posição que eu podia ficar por mais tempo era sentado. E não conseguia ficar reto ao levantar. A dor me forçava a dobrar um pouco os joelhos e a curvar o tronco para frente, que era a única forma que eu encontrei para caminhar, e ainda assim por curtos espaços.
Tomar banho era um tormento. Qualquer movimento de torção do tronco era um enorme e doloroso sacrifício, bem como levantar e esticar os braços.
O que aprendi
Andar curvado é uma metáfora poderosa que me fez pensar em quantas vezes eu me coloco à frente da vida, querendo resolver as coisas do meu modo, e não aceitando que existem coisas que eu não posso mudar. Em outras palavras, andar curvado me colocou de frente com o meu orgulho, o que despertou em mim a necessidade de praticar a humildade.
Lição 3: Desapego
Desejar “algo” de forma obsessiva é puro apego, e normalmente fazemos qualquer coisa para obtê-lo, mesmo cheios de boas intenções. Às vezes conseguimos. Às vezes não.
Quando começamos a sofrer para obter o “algo”, quando ficamos frustrados e chateados porque ainda não conseguimos, talvez seja hora de considerar abrir mão, desistir. Podemos resistir a abrir mão, não é uma tarefa simples. Mas chega a hora de largar.
E foi isso que eu fiz, eu larguei o “algo” (relacionado à tal “situação familiar complexa” que mencionei). Foi quando a dor ciática começou.
O que aprendi
Desejar algo não é ruim, mas perseguir esse “algo” de forma quase obsessiva é muito prejudicial. Aprendi que abrir mão, desapegar de coisas que me prendem a uma determinada situação (que eu não posso mudar) pode ser extremamente libertador.
Lição 4: Gratidão
Durante o período de dor intensa, recebi muita ajuda.
Começando dentro de casa, com a Rita e a minha mãe sempre me dando o suporte e o acolhimento nos momentos mais difíceis.
Os profissionais de saúde do PS de Itapecerica da Serra e principalmente o meu querido amigo de longa data e terapeuta, o Rory, que em duas sessões me ajudou imensamente a voltar a normalidade.
O que aprendi
Precisamos uns dos outros. Hoje eu estou bem, amanhã não. Por isso devemos ser gratos nas horas boas e nas ruins. Abrir-se para receber ajuda é um ato de amor para comigo mesmo. E um ato de humildade para com o outro.
Lição 5: Perdão
A dor física intensa e prolongada traz coisas lá de dentro, que podem ser trabalhadas à luz da consciência. Nem sempre são coisas que gostamos, e cabe a nós escolher trabalhá-las ou não.
No meu caso, esses episódios aconteciam, e de forma isolada, geralmente nos momentos de dor muito aguda. Por exemplo de madrugada quando eu tinha que me sentar na cama para achar uma posição de alívio, sentia dores fortíssimas que traziam conteúdos profundos lá de dentro.
Eram nesses momentos em que surgiam as pessoas e situações que necessitavam de perdão.
O que aprendi
A dor aguda aprofundou os processos de perdão que já estavam em curso na minha vida. Não sei se conseguiria ir tão fundo sem essa oportunidade. Por isso sou muito grato a essa dor, que me trouxe o perdão necessário.
Lição 6: Sobre a insegurança
Buscando compreender mais profundamente quais eram os origens da dor ciática, li um trecho do livro “A Doença Como Caminho”, que reproduzo aqui:1
“O problema revelado por esses sintomas é o excesso de encargos assumidos pela pessoa. Quem carrega um fardo demasiado pesado nas costas e não se conscientiza desse estado sente a pressão do corpo como dores nos discos intervertebrais. A dor obriga o ser humano a um maior descanso, pois todo movimento e atividade provocam dores. Muitas pessoas evitam fazer a necessária concessão ao descanso usando analgésicos que lhes permitam continuar exercendo livremente suas atividades rotineiras. Contudo, seria preferível que usassem a oportunidade para pensar com calma no motivo de terem assumido tantos compromissos a ponto de a pressão tornar-se insuportável. É claro que predispor-se a realizar cada vez mais implica em uma sensação de superioridade e de atividade que tenta mascarar um sentimento de inferioridade. Esse sentimento é compensado através de suas ações.”
Apesar de já ter trabalhado muitos aspectos da ansiedade, principalmente àqueles ligados a fazer as coisas para provar algo para alguém, eu ainda tinha algo a aprender, pois a mensagem do livro era clara. O que mais eu estava tentando provar? E para quem?
Identifiquei que minha obsessão e insistência em conseguir um resultado positivo na complexa situação familiar que eu enfrentava (o tal “algo”), gerava ansiedade e era a causa primária da dor ciática. Eu ainda estava tentando provar o meu valor, agora para mim mesmo. Se eu desistisse, seria um fracasso.
Quando a dor chegou, eu tinha acabado de desapegar do “algo”. Aconteceram praticamente no mesmo dia. A mensagem então ficou clara: não precisa mais insistir, pode abrir mão que vai ficar tudo bem.
O que aprendi
Minhas teimosas obsessões me fazem mal. Preciso ser mais cuidadoso e atencioso com elas. Não tenho que provar nada para ninguém, nem para mim mesmo. Para agir no mundo, basta que eu seja quem eu já sou.
CONCLUSÃO
Sinto que nesses dois meses eu passei por um “rito de passagem”, uma verdadeira iniciação.
As circunstâncias externas (ainda) não mudaram totalmente, mas a forma como eu as vejo mudou da água para o vinho. Eu deixei de acreditar em certas histórias que eu contava para mim mesmo, e que me faziam muito mal.
Todas as lições que aprendi e descrevi acima, e principalmente a experiência pessoal de “sentir” a realidade da dor na carne e nos nervos, foram extremamente marcantes.
Estou aliviado, não somente da dor física (que benção!), mas também daquele nível de ansiedade que eu me encontrava. Sinto que a minha sacola ficou mais leve.
Continuo trabalhando bastante, e agora com muito mais clareza. Medito, faço pausas durante o dia, toco a tigela de cristal e muito em breve voltarei aos meus treinos de musculação na academia.
Viver esse momento da minha vida da forma que vivi foi uma escolha. Eu poderia ter passado por tudo reclamando e me colocando como vítima. Mas como eu já sei como termina esse filme, fiz o esforço extra necessário para escolher ver a verdade.
Eu fiquei muito feliz por mim, não só por ter passado relativamente bem por uma crise tão forte, mas também por ter escrito esse artigo sobre a experiência. Confesso que foi uma prova de fogo, exigiu muito de mim, e me ajudou a compreender nuances do processo que eu não havia percebido.
Então, grato a você leitor, leitora, que chegou até aqui. Obrigado por ler o que escrevo.
Se você se sentiu tocado, deixe um comentário no botão abaixo, vou adorar lê-lo.
Com Amor,
Luiz Pontes
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Dahlke, R. e Dethlefsen, T. - A Doença como Caminho - Ed. Cultrix pg 201
Precisamos reler essa escrita mais vezes, o nosso corpo fala...a nossa dor, os nossos sentimentos precisam ser olhados e curados. Sábias palavras de uma conexão bem profunda. Muito obrigada, do fundo do meu coração e alma. Parabéns!!