O que Você Sente Quando Escuta uma Música que Gosta?
Descubra como música e emoções se entrelaçam no seu cérebro e mundo interior.
Todo mundo sabe que a música afeta profundamente o nosso estado emocional. Quem já não chorou ou ficou alegre escutando uma música que gosta?
Mas como isso acontece? Quais são os mecanismos que estão por trás desse fenômeno? Como o nosso cérebro processa a música e porque ela mexe tanto com a gente?
Bora lá conhecer um pouco mais sobre esses mecanismos e como eles atuam no cérebro?
E aproveita que no final desse artigo eu proponho uma prática bem interessante, que eu experimentei quando estava fazendo a pós em musicoterapia.
Eu amei fazer esse exercício em 2011, tanto que no ano passado eu o refiz, e agora veio o insight de compartilhar com você!
Então vamos começar lá na antiguidade, um tempo em que a música era também utilizada para evocar emoções boas.
A história é bem antiga…
Existe no Velho Testamento uma passagem muito interessante sobre o poder da música sobre as emoções:
"E sucedia que, quando o espírito mau, da parte de Deus, vinha sobre Saul, Davi tomava a harpa, e a tocava com a sua mão; então Saul sentia alívio e se achava melhor, e o espírito mau se retirava dele." (Samuel 16:23)
Essa é uma das primeiras menções à respeito do poder da música para aliviar o sofrimento emocional. O pastor Davi, conhecido por suas habilidades musicais, foi chamado para aliviar o sofrimento do rei Saul.
Na mitologia grega, conta-se que Orfeu tocava tão bem a sua lira que amansava as feras e acalmava tempestades.
Platão destaca que:
“Os cantos e as danças permitem acalmar os desequilíbrios emocionais, ensinam a dominar as manifestações somáticas dos afetos e das paixões. De todas as artes, a música é, sem dúvida, aquela cujos efeitos são os mais profundos e insidiosos”. 1
Na Índia, as ragas são “melodias” que possuem relação com estados emocionais específicos, como devoção, humildade, alegria e muitas outras.
De muitas outras formas e em diferentes localidades, a música foi extensamente utilizada pelas civilizações antigas para gerar bem-estar e alívio para o sofrimento.
Hoje em dia, com toda tecnologia que temos, a música tomou outra proporção e mexe com a gente de muitas maneiras. Destaco uma delas, que é muito poderosa para chacoalhar nossas emoções: a música como trilha sonora de filmes de cinema.
O poder da música nos filmes
De uma forma ou de outra, todos sabemos e já sentimos o efeito da música na trilha sonora de filmes.
Lá no início do cinema, pequenas bandas tocavam música ao vivo para dar o “clima” para o filme mudo.
Logo depois vieram as grandes produções de Hollywood que usavam como trilha sonora o som de orquestras sinfônicas.
Seguindo na evolução, as trilhas incorporaram a música pop, o jazz e o rock.
E mais recentemente as trilhas ganharam outros timbres, agora da música digital, que abriu um campo de experimentação de novas possibilidades.
Grandes compositores como Hans Zimmer e John Williams (Gladiador e Star Wars) são alguns dos expoentes dessa fase.
Conto essa história através da música. Escute a playlist abaixo na sequencia para acompanhar uma pequena amostra do que foi a evolução das músicas de trilha sonora de cinema.
Os compositores dessas trilhas são mestres em criar ambiências e gerar emoções específicas nos espectadores ouvintes. A história vai sendo contada na tela e a música vai acompanhando, para induzir a emoção desejada.
Se a cena é neutra, é o som ou música que define a emoção. Uma mesma cena, com quatro trilhas sonoras diferentes, causará quatro impactos diferentes nas pessoas.
E isso só funciona por causa do profundo impacto que a música tem sobre nossas emoções.
A emoção da primeira música
Será que existe alguém insensível a música? Eu não conheço. Pode ser a pessoa mais dura e insensível, ainda assim ela terá uma ou outra música que adora ouvir.
De alguma forma, acredito que o nosso cérebro foi programado para fazer, interpretar e armazenar música. Temos memória musical.
Qual foi a primeira música que te marcou? Que sensações ela te traz?
Para mim foi a música de uma banda nacional dos anos 60 e 70, chamada Os Incríveis: “Era um Garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones” (já viu um título de música desse tamanho?). Lembro de mim, com uns 5 anos e minha guitarrinha inseparável, cantando aquela canção. Sinto leveza e alegria quando me recordo disso.
E você, qual é a música mais antiga que você consegue se lembrar? Ela te impactou de alguma forma? E qual a sensação que te causou?
Se animar, vá até o seu “streamer” favorito e pesquise essa música. Escute-a e veja como se sente.
Escutar novamente a primeira música que nos marcou certamente causa um impacto, gera emoção.
Assim como a primeira, muitas outras músicas marcaram nossa vida de alguma forma. Temos memórias delas, e cada uma gera uma emoção específica.
Não só músicas, mas também sons. Por exemplo, o som do sino da igreja da sua cidade natal.
Identidade sonora
O conjunto de todos os sons e músicas que escutamos durante a nossa vida formam o nosso ser sonoro.
O musicoterapeuta argentino Rolando Benenzon definiu o princípio da “identidade sonora” para designar esse conjunto de sons e músicas que compõem quem somos.
Para Benenzon, a identidade sonora
"é o conjunto de sons que cada pessoa carrega consigo e que refletem sua identidade psicoemocional e energética — incluindo os sons internos (respiração, batimentos, voz), externos (ambiente sonoro da infância), culturais e afetivos."
Ou seja, todas as músicas e sons que já escutamos e que nos marcaram. No momento em que escrevo me recordei que uma vez alguém atirou com uma arma perto de mim. Aquele estampido me marcou. Ele faz parte da minha identidade sonora.
Me lembro também do altíssimo volume da buzina do caminhão que quase me atropelou, pela distância de um palmo. Aquele som agudo e potente ainda está na minha memória, mesmo muitos anos depois. Ele faz parte da minha identidade sonora.
Assim como hoje faz parte da minha identidade sonora o drone musical extremamente relaxante da tigela de cristal de quartzo, que toco desde 2008.
Conhecer a minha identidade sonora, com seus sons e músicas agradáveis e “desagradáveis”, me fez conhecer mais profundamente a mim mesmo. Na verdade, eu considero que esse trabalho não tem fim. É para a vida toda!
E você, quer conhecer a sua?
Então me acompanha até o final… lembra que lá no início eu falei de uma prática bem poderosa? É justamente para você conhecer a sua identidade sonora.
Mas antes deixa eu te contar como a música e as emoções se relacionam no cérebro. Estou certo que você vai adorar saber.
A música no cérebro
O efeito da música no cérebro têm sido estudado de forma intensa nos últimos anos graças a tecnologia de ressonância magnética, que permite analisar a atividade cerebral em tempo real enquanto ouvimos ou produzimos música.
Antes de ser um processo linear com uma resposta simples e isolada a um estímulo sonoro externo, o processamento musical e as emoções que resultam dele é uma construção que integra o processamento de várias atividades cerebrais.
Vamos agora entender como a emoção musical se forma.
1. Percepção auditiva
Tudo começa quando a música entra pelos ouvidos e chega na primeira estrutura cerebral, que inicia o processamento dos sons: o córtex auditivo.
É a estrutura responsável pela interpretação dos estímulos elétricos que chegam do ouvido interno, e processa as seguintes informações:
Frequência (distinguir sons graves e agudos);
Volume (avaliar sons mais altos e mais baixos);
Localização (de onde vem o som);
Fala (entendimento de frases e sentenças);
Ritmo (bater o pé involuntariamente no mesmo passo da música);
Melodia (guardar o contorno sonoro da música);
Timbre (para distinguir tom de voz e a sonoridade de instrumentos).
Tudo isso acontecendo em intervalos de tempo infinitamente pequenos.
Temos uma super máquina de decodificar padrões sonoros em nosso cérebro. Duas, na verdade, que se localizam um pouco acima de cada orelha.
2. Reconhecimento dos padrões emocionais
A partir da ligação do córtex auditivo com as estruturas que pertencem ao sistema límbico, começa o reconhecimento de padrões sonoros que evocam emoções.
É onde a música adquire vida. Sem ele, receberíamos o som das notas musicais, dos instrumentos e vozes de maneira fria, sem emoção.
Uma música acelerada evoca um tipo de resposta, enquanto uma música triste evoca outro.
Generalizando, sem precisão científica porém com as informações mais relevantes para o nosso contexto, as estruturas cerebrais mais importantes do sistema límbico são a amígdala, o hipocampo e o núcleo accumbens.
Uma música triste pode ativar a amígdala e provocar emoção intensa ou choro.
Uma música alegre pode estimular o sistema de recompensa do núcleo accumbens, gerando prazer e motivação.
Músicas associadas a momentos importantes da vida ativam o hipocampo, recuperando memórias emocionais importantes.
Existem outras estruturas que não abordarei aqui, e que se complementam e integram para uma resposta emocional completa e de acordo com o contexto de vida do momento.
3. A importância do contexto
Quando você escuta música, o efeito que você sentirá vai depender se está triste ou alegre, sozinho ou acompanhado, se está em uma festa ou em um funeral.
Uma mesma música pode ter efeitos diferentes em um momento ou em outro da sua vida.
Isso quer dizer que as respostas emocionais à música são complexas e dependem de muitos fatores, externos e internos.
Em outras palavras, o contexto é muito importante para determinar quais emoções surgirão quando ouvimos determinada música.
4. Resposta corporal
As emoções geradas pela música que escutamos evocam uma resposta corporal, que pode ser um arrepio, um coração acelerado ou uma vontade de dançar.
O corpo responde à música, e por isso a dança é tão importante. Ela dá vazão ao que a música pede, ou seja, movimento.
Todas essas respostas são moduladas por neurotransmissores específicos que podem ser nossos aliados, se soubermos como usar a música a nosso favor.
Esses neurotransmissores são a química do cérebro, que levam informações de um lado para outro, e modulam as nossas emoções.
A química do cérebro pode ficar muito diferente, de acordo com a música que escutamos e do contexto. Quando eu escuto um rock pauleira em casa fico inquieto e angustiado (gerando cortisol). Já quando escuto o mesmo rock pauleira na academia, fico mais motivado (gerando dopamina).
A química das emoções musicais no cérebro
Durante o processo de reconhecimento e processamento de padrões musicais, as emoções surgem junto com o aumento de alguns neurotransmissores muito importantes para a nossa saúde.
Quando escutamos uma música que nos dá arrepio, ou quando adoramos um refrão e ficamos esperando por ele, liberamos dopamina, que é o neurotransmissor do prazer e da motivação.
Hack 1: da próxima vez que sentir atração para ir para a telinha do celular praticar-a-rolagem-infinita-à-toa (que também eleva a dopamina), opte por escutar música. É muito mais saudável.
Quando vamos a um show, cantamos em grupo ou em cerimônias, nosso cérebro libera a ocitocina, o neurotransmissor do vínculo e do afeto, que a mãe libera quando está cuidando do bebê, por exemplo.
Por isso fazer ou escutar música em grupo é muito poderoso. As civilizações antigas sempre souberam disso, e usaram a seu favor.
Hack 2: Na medida do possível, vá a shows dos seus artistas preferidos ou participe de grupos que fazem música juntos.
Quando escutamos músicas calmas, que trazem alegria ou o sentimento de gratidão, elevamos o nível de serotonina no cérebro, que é o neurotransmissor que trabalha a favor do nosso equilíbrio emocional.
Isso nos ajuda a regular o humor, trazendo mais paz e diminuindo a ansiedade ao mesmo tempo em que diminui a liberação de cortisol, o neurotransmissor liberado em situações de estresse.
Hack 3: Reserve 10 min do seu dia para escutar músicas de meditação que você goste. Se conseguir fazer isso diariamente verá o resultado na sua vida.
Escutar música é uma atividade que pode ser vital para a nossa saúde, uma vez que, conforme vimos acima, os mais importantes moduladores emocionais que temos - dopamina, ocitocina e serotonina - são liberados na escuta musical, a depender do contexto.
Assista o vídeo abaixo para ter um resumo de tudo o que falei até agora (ative as legendas em Português).
São tantas emoções: a trilha sonora da sua vida
Conhecer a dinâmica das emoções que a música suscita em nós esclarece muita coisa e faz pensar que poderíamos usá-la como uma ferramenta para modular as emoções no dia a dia.
Como quero te incentivar a fazer isso, e prometi lá no começo do artigo que iria te propor uma atividade, lá vai.
É a montagem de uma playlist que será a trilha sonora da sua vida.
Vamos ao passo a passo:
Escolha o streamer de sua preferência (Spotify, Apple Music, Youtube, etc.);
Separe um momento para não ser interrompido;
Nomeie a sua playlist (ex: Trilha Sonora - Minha Vida);
Lembre de uma música importante para você;
Procure-a no streamer, e inclua-a na playlist;
Dê espaço para que outras músicas importantes para você surjam na sua mente. Assim que isso acontecer, escute-a novamente, incluindo na playlist;
Arranje as músicas numa sequência temporal, da mais antiga para a mais atual;
Mantenha a playlist viva. Volte sempre a ela, adicionando músicas importantes de tempos em tempos. Você ficará surpreso como aparecerão músicas novas, que estavam guardadas lá no fundo;
Inclua tanto as músicas que você gosta como as que de alguma forma te marcaram negativamente. É importante ter esses momentos registrados, porque afinal de contas eles suscitaram emoções fortes que agora fazem parte da sua identidade sonora;
Escute de vez em quando uma sequência de músicas. Revisite a sua história e sinta as emoções.
Se você quiser um exemplo, clique aqui para conhecer a trilha sonora da minha vida. Não se assuste. Como a música sempre desempenhou um papel muito importante na minha vida, essa playlist tem 107 músicas (até este momento).
Agora mesmo, para escrever esse artigo, fui inundado por muitas emoções diferentes ao revisitá-la. Não escutei todas, porque é impossível, mas peguei o comecinho de muitas e fui sentindo a emoção que cada uma delas trazia.
Esse é um exercício muito poderoso, que mais do que qualquer outra coisa fará com que você sinta o poder que a música tem de evocar as mais diversas emoções.
Espero que curta fazê-lo!
E depois me diga o que sentiu, vou adorar saber. É só clicar no botão abaixo para deixar um comentário. É muito importante para mim.
Com Amor,
Luiz Pontes
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REFERÊNCIAS
https://piaui.folha.uol.com.br/platao-e-o-poder-da-musica/